O
Evangelho de Lucas 16.19-31, traz uma narrativa de Jesus sobre a vida e morte
de um certo homem rico e um mendigo chamado Lázaro. Esta passagem, ao longo da
história da igreja, tem trazido dúvidas e questionamentos quanto a maneira de
interpretá-la corretamente. Seria um ensinamento sobre a vida pós-morte, sobre
o estado intermediário da alma ou apenas uma parábola? Na análise desta
narrativa, atentando para o contexto cultural da época e a didática praticada
por Jesus entre outros detalhes, pode-se ter uma visão mais clara sobre o que
esta tão discutida passagem tem a revelar.
Palavras-chave: Parábola. Ensinamento. Alma. Verdade.
INTRODUÇÃO
Era muito comum no judaísmo usar
parábolas para ensinar, as pessoas da época sabiam identifica-las quando uma
estivesse sendo narrada, isto fazia parte do seu contexto. Jesus faz uso delas
em muitos momentos usando coisas do cotidiano judaico, para expressar as verdades
do seu Reino, tendo assim uma maior proximidade da realidade de vida do povo. Em
momentos, as pessoas não entendiam o que Jesus queria dizer com a parábola,
como narrado em Mateus 13.10-11 onde seus discípulos
questionam o Mestre sobre isto:
“E,
acercando-se dele os discípulos, disseram-lhe: Porque lhes falas por parábolas?
Ele respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino
dos céus, mas a eles não lhes é dado.”
A parábola do rico e Lázaro, foi narrada
meio a outras que Jesus já ensinava ao povo, e ela surge como que em resposta a
uma zombaria por parte dos fariseus avarentos que ali estavam e ouviam o
Mestre. Qual seria o assunto que Jesus estava tratando neste momento? Qual o
contexto dos seus ensinamentos neste momento? Estas perguntas se tornam
relevantes quando se observa a interpretação que se faz da parábola que é o
tema deste artigo. Seria mesmo uma narrativa literal sobre o que acontece após
a morte física ou seria uma ilustração para se compreender o destino do coração
avarento?
Em conjunto a estes questionamentos,
analisando o que é uma parábola e o que ela propõe, pode-se chegar a uma
compreensão mais clara desta passagem se desfazendo de tantas polêmicas que
giram em torno dela.
ESTA PASSAGEM É UMA
PARÁBOLA
Entende-se como parábola, histórias que
têm como objetivo transmitir algum
ensinamento fazendo um paralelo entre a realidade e elementos
figurativos ou alegóricos, comuns ao contexto de época em que foram narradas.
Jesus usa deste método de ensino, para então transmitir verdades espirituais,
de forma objetiva, resumida e com certa simplicidade.
Vale atentar para o fato de que a
verdade contida nas parábolas, não residi nas alegorias usadas, ou seja, as
personagens, os objetos e comparações com o cotidiano, apenas compõe
alegoricamente a realidade do ensino e este, sempre está fora da ilustração
propriamente narrada.
Muitos dizem que esta passagem não pode
ser classificada como uma parábola, para justificar então uma interpretação
literal da mesma, mas assim sendo, se torna impossível que fatos específicos
expostos neste texto coadunem com os ensinos bíblicos a respeito da vida após a
morte. Vejamos o porque:
No verso 23 pode-se observar o rico
estando no hades e conseguindo ver a Abraão e Lázaro do outro lado do abismo
que separava o então local de tormento do local de paz. Imagine então, após a
morte está locado geograficamente em um ambiente onde céu e inferno se
encontram e existe diálogo entre as partes. Não se vê neste local, anjos do
Senhor ou demônios, satanás ou o próprio Deus, que mundo espiritual seria este
que não existe seres espirituais, mas apenas almas que deixaram seu corpo
mortal?
Sendo este local um espaço usado apenas
como um ambiente de espera, não sendo propriamente céu ou inferno mas apenas um
local intermediário até o julgamento, como relacioná-lo as passagens a seguir
entre outras que poderiam ser citadas:
“Mas
de ambos os lados estou em aperto, tendo desejo de partir, e estar com Cristo,
porque isto é ainda muito melhor.” Fp. 1.21
Estaria Paulo enganado? Teria ele que
passar um tempo batendo papo no seio de Abraão com as almas perdidas no hades,
em lugar de estar imediatamente com Cristo?
“E
disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso.”
Lc 23:43
Nesta passagem, será que Jesus não quis
dizer realmente o que disse? Existe dificuldades para muitos em simplesmente
crer no que foi dito aqui por Cristo.
Muitos buscam análises linguísticas,
mudança de posicionamento de vírgula,
etc., para dar outro sentido a passagem, mas na verdade, esta passagem não só
quebra as heresias do purgatório e do sono da alma, como as do sacramentalismo,
regeneração batismal e universalismo, oportuno querer distorcer esta passagem
não?
Seguindo com a análise da parábola, nos
versos 27 e 28, quando o rico mostra ter lembranças de sua vida na terra, aqui podemos questionar se seria mesmo possível após a morte alguém ter em mente os
acontecimentos da vida terrena.
“Assim
falou; e depois disse-lhes: Lázaro, o nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo
do sono.” Jo 11:11
Nesta passagem fala-se de outro Lázaro,
que em nada se relaciona com o da parábola. Jesus diz que Lázaro dormia
significando que estava morto. Isso não significa inconsciência da
alma.
Analisando outros pontos sobre o rico e
Lázaro numa ótica literal, como explicar o fato de que molhando a ponta do dedo, se
teria água suficiente para saciar uma então alma, que ainda sente sede como um
ser de carne e osso?
O fato de um ser rico e o outro ser mendigo, justificaria a condenação de um e a salvação do outro? Seria pecado ser rico? Seria uma benção ser pobre?
E o fato de Abraão ser o mediador da conversa, seria Abraão o intercessor? Esta função não seria do próprio Cristo?
O fato de um ser rico e o outro ser mendigo, justificaria a condenação de um e a salvação do outro? Seria pecado ser rico? Seria uma benção ser pobre?
E o fato de Abraão ser o mediador da conversa, seria Abraão o intercessor? Esta função não seria do próprio Cristo?
Seguindo com a análise, muitos se
baseiam no fato de Jesus citar nomes nesta passagem para lhe dá um sentido
literal. Em nenhuma outra parábola foi citado nomes, porque seria diferente
nesta? Existem dois argumentos para responder esta questão, um é para o porque
de citar o nome do mendigo Lázaro e o outro do porque citar Abraão.
Citar o nome de Lázaro, pode-se entender
pelo fato de Jesus conhecer, ou ter como conhecido aquele que ele toma para si.
Remete ao cuidado de Jesus num relacionamento intimo com aquele que é alcançado
por sua graça, o que não acontece com o rico. Não que Jesus não conhecesse o
rico enquanto onisciente, mas o fato de não reconhece-lo como filho. Mateus no
seu evangelho capitulo 7 verso 21 diz:
“Nem
todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”
Esta ideia se relaciona com o fato dos
fariseus considerarem a observância de suas praticas religiosas como requisitos
para ser salvo, não atentando para a imperfeição do homem e sua incapacidade,
anulando assim a misericórdia e graça de Deus. Jesus não os reconhece, não os
chama pelo nome, mesmo dizendo eles fazerem a vontade de Deus, se revelam hipócritas,
avarentos e legalistas.
Outro ponto e o nome de Abraão que é
citado. Os fariseus se consideravam salvos por serem descendentes de Abraão, o
fato de o terem como pai, seria pré-requisito certo para obter salvação.
Desconsideraram o filho de Deus diante deles, não creram no enviado do verdadeiro Pai, colocando Abraão acima de Jesus. Quando o rico clama do hades, Abraão
nada pode fazer pelo rico, demonstrando sua impotência para salva-lo.
“Disse-lhes
Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse eu sou.”
Jo. 8:58
CONCLUSÃO
Entendendo esta passagem como parábola,
pode-se extrair o real ensino que o Mestre expõe. Os fariseus criam na
prosperidade financeira como uma benção de Deus por suas vidas “dedicadas” as
escrituras, Jesus demonstra um então rico, bem sucedido, sendo destinado a
perdição com seu coração avarento. Sua condenação esta na má administração do
seu dinheiro, e não no fato de simplesmente tê-lo. Ser rico não salva e nem condena.
Olhando para o mendigo Lázaro, da mesma
forma, sua salvação não se dá por ser pobre, ou por sofrer nesta vida. O que
Cristo ensina aqui é que a salvação e para todo aquele que crê, sem acepção
nenhuma. Ser descendente de Abraão não salva, ser rigoroso na observância da
lei também não, o Reino dos Céus não se baseia em meritocracia, mas na graça de
Jesus Cristo.
A condenação ou salvação se dão na vida
terrena, enquanto caminhando em vida, após a morte, nada mais pode ser feito.
Ao deixar esta vida o que aconteceu não tem mais volta.
O que Jesus ensina nesta passagem não é
o estado intermediário da alma, mas sim uma parábola, um ensinamento para vida.